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O caçador de assombração

Publicado por     |   18 Jan 2014
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Naquele tempo as coisas eram diferentes, as distâncias eram maiores e em tudo se via a presença do mistério. Os lobisomens, as mulas sem cabeça e as onças encantadas eram comuns na imaginação dos que habitavam nas regiões mais isoladas do progresso.

Tanto era que existia uma profissão da qual quem exercia era olhado como herói pela população. O caçador de assombração gozava de todas as mordomias, era o marajá da época, ganhava pra não fazer nada, ficava deitado em uma rede comendo e peidando, só levantava quando aparecia “seuviço”.

Quem me falou dessa profissão foi Seu Paizinho, neto do maior caçador de “livusia” que se tem notícias. Tonho Magro caçou “aparição” até em Poções, seus cães eram especialistas em todo tipo de assombração. Se eu fosse parar pra escrever a quantidade de lobisomens mula sem cabeça que Tonho pegou com a ajuda da cachorrada, teria que escrever dez anos sem parar, portanto vou me referir às onças encantadas: foram duas em Caculé, três na Barra, cinco em Condeúba e uma em Tremedal. Sem contar as 29 que ele pegou no Poço Escuro. Era um veterano nesse tipo de caçada e de tanto dar sumiço em “livusia”, sua fama correu o mundo, graças a essa popularidade, mesmo depois de aposentado ele foi convidado pelos Nolasco pra pegar uma assombração lá pro lado de Itambé.

Tonho tinha mais de 20 anos que não saía daquela boca de mata, aquele desafio reanimou o velho pra vida. Reuniu os melhores cães, carregou o clavinote com terra de cemitério, tomou um banho com chá de cravo de defunto, rezou um credo de traz pra frente, colocou um galho de arruda na orelha, fez o sinal da cruz com a mão esquerda, mijou na direita jogou pra trás e depois de beber meio litro de pinga pra clarear as ideias e dar forças às orações, partiu para o destino. Viajou por dentro dos matos, não gostava de entrar em contato com gente comum, dava azar.

Foi na ladeira do Tomba que ele deparou com a mais esquisita das assombrações, daquela ele nunca tinha batido o olho em cima. Teve que beber o resto da pinga para acreditar no que estava vendo, o bicho era tão “brabo” que nem esperou ele chegar, veio logo atrás. Sua primeira reação foi se cagar todo, três dos cachorros correram pro mato que até hoje não se tem notícia, o mais valente enfrentou a fera mas não aguentou um tapa, teve logo a cabeça esmagada. Tonho disparou o clavinote na cara da besta, aí que ela se retou efumaçando pela venta continuou vindo pra cima. Já tinha gasto todo o seu repertório de rezas anti-assombraçãoe o bicho continuava remetendo, estava exausto, nunca tinha feito tanto esforço em vida. Reuniu as últimas energias, apertou o crucifixo contra o peito, fechou os olhos e ajoelhou em frente a fera, quando levantou o braço pra tentar a Oração de São Cipriano, só sentiu o baque seco, não ficou um osso inteiro, morreu na hora.

Uns falaram que o velho Tonho Magro tava caducando, outros disseram que foi pinga no rabo. Mas o certo é que Tonho não estava sintonizado com o progresso, morreu sem saber que aquela assombração não passava de um caminhão FNM sem freio “despencando” ladeira abaixo.

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