Por que Moro rejeitou a teoria do domínio do fato (usada no caso mensalão)? Porque achou desnecessária. Para ele, Marcelo participou diretamente de tudo (era o condutor e chefe da corrupção).
De 2006 a 2014, segundo a sentença, “a empresa Odebrecht usou offshores e contas no exterior para fazer pagamentos de propina. No total, teriam sido efetuados depósitos de US$ 9.495.645,70 e 1.925.100,00 francos suíços para Paulo Roberto Costa, US$ 2.709.875,87 para Renato Duque e de R$ 2.181.369,34 para Pedro Barusco. Também foi pago US$ 4,2 milhões para o doleiro Alberto Youssef. Há ainda pagamentos de propina no fornecimento de nafta da Petrobras para a Braskem, controlada pela Odebrecht”.
Fim da era lulopetista?
Pela quantidade e intensidade de delações premiadas anunciadas para esses próximos dias (das empreiteiras), seria de se imaginar o fim imediato do lulopetismo. Mas o “jogo do poder” é muito complexo.
Para as próximas horas, especula-se que o governo Dilma vai tentar reagir contra os ataques da Lava Jato. Nomeação do Lula para ministro, por exemplo, para tirá-lo da jurisdição do Moro? Entrega de quase todo o governo para o PMDB para evitar o impeachment? Tudo é possível (é o poder que está em jogo).
A Lava Jato vai ampliar suas investigações para analisar os contratos e os contatos “perigosos” das empreiteiras nos governos Sarney, Collor e FHC? Até mesmo o pai de Marcelo (Emílio Odebrecht) seria favorável a “delatar tudo”, contra todos. A própria delação de Delcídio, dizem, teria ido muito mais fundo do que a IstoÉ noticiou. Resta ver.
Nossa opinião: a Lava Jato não veio para investigar este ou aquele corrupto, sim, a corrupção (como malefício que traz enormes prejuízos econômicos e sociais). Investigar todos e punir todos (consoante o Estado de Direito), na medida da culpabilidade de cada um.
É um movimento histórico contra-institucional, que deve aproveitar sua legitimidade popular e internacional para passar uma boa parte do País a limpo. Mas cuidado: Lava Jato não é lavar de qualquer jeito (tudo tem forma e modo previsto no Estado de Direito).
As delações dos executivos das empreiteiras Andrade Gutierrez, OAS e Odebrecht podem ser o tiro de misericórdia no governo lulopetista? Ao que tudo indica sim, mas vamos ver a sua reação nas próximas horas. Na política brasileira tudo é possível. Ninguém quer se afastar do poder. ACM dizia: o poder desgasta, fora do poder muito mais.
Uma coisa é certa: essas delações retratam uma desesperança dos empreiteiros com uma solução de compadrio (eles imaginavam que isso ocorreria no governo Dilma?).
A prisão dos poderosos, nos países que não permitem pena de morte, é o ato máximo de sujeição deles. Máxima subordinação. Para quem sempre aprendeu a mandar e desmandar, ficar trás das grades é uma grande submissão.
Um dos barões ladrões presos lá no princípio da Lava Jato, num ato de imbecilidade suprema, chegou a afirmar o seguinte: “O cara que apanha tanto já tá acostumado, mas é uma exposição pra gente e as famílias chegam aqui destruídas”, disse um vice-presidente da OAS.
A prisão, no Brasil, que sempre foi para quem “está acostumado a apanhar”, de repente começou a pegar também quem está acostumado a bater (física ou simbolicamente, como escreve Pierre Bourdieu).
O lulopetismo tratou Delcídio com absoluto desprezo (Lula chegou a dizer que ele era “imbecil”) e frustrou completamente as expectativas (surreais e absurdas) das empreiteiras (que gostariam de uma solução “institucional” para seus processos). A casa dos poderosos que sempre se julgaram impunes está caindo.
A maior revolução contra-institucional está em ação. Vai persistir ou tudo vai virar pizza com uma lei de anistia geral (como fizeram com a repatriação de recursos “aplicados” no exterior)?
SOBRE O AUTOR
Luiz Flávio Gomes é professor e jurista, Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Exerce o cargo de Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Atuou nas funções de Delegado, Promotor de Justiça, Juiz de Direito e Advogado. Atualmente, dedica-se a ministrar palestras e aulas e a escrever livros e artigos sobre temas relevantes e atuais do cotidiano.